A pesquisa estuda 400 jovens de 12 a 18 anosna cidade de Delfinópolis (MG) e é realizada pelo neurologista Marco Antônio Arruda. É avaliada no estudo a intervenção da violência nas funções executivas, que são as habilidades cognitivas necessárias para controlar e regular nossos pensamentos, emoções e ações. Os estudantes são avaliados por meio de atividades dentro da sala de aula, que estimam o seu desempenho escolar ao longo dos próximos anos. A partir das contatações, serão feitas intervenções junto aos pais e professores de adolescentes com disfunções, para reabilitar essas funções e retomar sua resiliência. No estudo de Delfinópolis, foram distribuídos questionários para as próprias crianças, além dos pais e educadores, com o objetivo de verificar a capacidade delas de enfrentar adversidades e não sofrer ruptura no seu desenvolvimento. São crianças muitas vezes de classes sociais desfavorecidas, que não vivem com os pais e, a despeito disso, têm alto desempenho escolar e saúde mental normal.
“Crianças de alto desempenho escolar são mais resilientes; portanto, menos vulneráveis do que crianças com baixo desempenho escolar. Existe uma correlação direta de resiliência com desempenho escolar com saúde mental, com função executiva. Está tudo intrincado”, analisou o neurologista. A meta é acompanhar essas crianças nos próximos cinco a seis anos para avaliar se a intervenção junto aos adultos, para reverter disfunções executivas, teve sucesso ou não.
Boas funções
Outro estudo coordenado por Marco Antônio Arruda revelou a importância da observação das funções executivas na infância. Ele revelou que crianças com boas funções executivas durante os primeiros anos da vida escolar têm menos probabilidade de apresentar problemas e dificuldades ao longo da vida. A pesquisa foi feita entre 2013 e 2015, com 4 mil crianças da faixa etária de 5 a 12 anos de todas as escolas públicas do município de São Sebastião do Paraíso (MG). O estudo permite avaliar aspectos do desenvolvimento da criança a partir do início do ensino fundamental 1 (1º ao 5º ano) que “têm grande valor de predição se elas vão ter bom desempenho na vida escolar”, disse Arruda. Dificuldades que muitas vezes não chamam a atenção de pais e educadores podem ser identificadas nessa fase.
“Crianças que têm dificuldades nessa etapa vão ter dificuldades até na vida adulta”, afirmou Arruda. A pesquisa abordou funções executivas simples, que vão desde trocar de roupa e tomar banho, até atividades mais complexas, como escrever um livro. Foi observada a capacidade de a criança se organizar no tempo e no espaço para executar uma tarefa, de regular as emoções, inibir comportamentos, prestar atenção e perseverar diante das dificuldades. A partir de questionários distribuídos aos pais e professores das 4 mil crianças sobre o comportamento delas em casa e na escola, o neurologista pôde estimar que há de normal ou anormal em suas funções executivas. A vantagem de identificar precocemente crianças que vão ter problemas de aprendizado mais adiante é poder agir de forma preventiva, afirmou o médico. Isso facilita o desenvolvimento de programas de saúde pública com o objetivo de reabilitar essas funções, com apoio da família e da escola.
Disfunções
O neurologista também destaca, com base em pesquisa anterior, a correlação entre funções executivas e condição econômica, saúde mental e desempenho escolar. Crianças com disfunções mais frequentemente se tornam adolescentes e adultos com baixo autocontrole e são mais suscetíveis ao uso de drogas, tabado e álcool, à vida sedentária e à obesidade, segundo estudo feito em 2011 com 6 mil crianças e jovens de 87 cidades brasileiras. Elas acabam chegando à vida adulta com maior prevalência de hipertensão, problemas cardiovasculares, disse Arruda.
Outro dado revela que crianças das classes D e E têm risco 2,4 vezes maior do que as das classes A e B (ou o equivalente a mais 140%) de ter piores funções executivas. “Esse baixo funcionamento executivo funciona como perpetuação da pobreza seja na família, na comunidade, no país”, comentou o médico.
O risco de piores funções executivas também está relacionado com o grau de instrução do chefe da família. Crianças cujo chefe da família era analfabeto tinham risco 4 vezes maior (300% a mais) de ter baixas funções executivas, se comparadas com as famílias com chefe de família alfabetizado. O mesmo ocorre quando o chefe da família tinha ensino fundamental 1, em comparação com o que completou o ensino fundamental 2 (5º ao 9º ano). Com ensino médio incompleto, o risco de baixas funções executivas é de 2,3 vezes maior do que com esse nível completo.
Existe também correlação entre função executiva e saúde mental, indicou Marco Antônio Arruda. Crianças com alterações de saúde mental têm risco 12 vezes maior de ter problemas de disfunções executivas. Entre os problemas mentais, o neurologista citou problemas emocionais, de humor, depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Os adultos que tiveram problemas de disfunção executiva na primeira infância tinham mais problemas de saúde mental do que os que apresentavam funções normais.
Há correlação ainda da função executiva com o desempenho escolar. As crianças cujos professores as consideraram com desempenho escolar abaixo da média apresentavam risco 6 vezes maior, ou 500% a mais, de ter disfunção executiva.
Importância do estudo
Na avaliação da psicóloga especialista em jovens e adolescentes Elisa Bichels, membro da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins seção Rio de Janeiro (Abenepi-RJ), é fundamental ensinar educação emocional para as crianças. “Hoje a gente pode capacitá-los para uma qualidade de vida diferenciada. Hoje, cada vez mais a gente sabe que a educação emocional pode gerar uma revolução social”.
“Por isso, o estudo do [neurologista Marco Antonio] Arruda é tão importante, porque ele fala de prevenção, que é uma coisa que a gente não tem em saúde mental, principalmente na população brasileira. Em todo o mundo, se fala em prevenção em saúde mental há muitos anos. E no Brasil, não. Os estudos para crianças e adolescentes são muito novos”.
Edição: Lidia Neves
Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil
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